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A história do Distrito de São Benedito


O distrito de São Benedito se localiza na região sudoeste do município de Santa Luzia, área limítrofe ao norte de Belo Horizonte, próxima à rodovia MG-424, que liga Belo Horizonte a Sete Lagoas, e tem acesso principal pela rodovia MG-020119, cujo início coincide com a via central do distrito, a Avenida Brasília.

São Benedito teve sua origem como um pequeno povoado localizado na estrada de acesso a Santa Luzia. Neste caso, o conceito de povoado aparece como sendo a concentração de uma pequena população ao redor de alguma atividade econômica, como era a agropecuária desenvolvida naquela região. De fato, o censo de 1950 não aponta São Benedito entre as principais aglomerações urbanas do município.

Contudo, as evidências de uma ocupação daquela área que apontam para a produção de um espaço periférico urbano nos remete à década de 1950, de acordo com as datas de aprovação dos loteamentos dos bairros São Benedito, em 1954 (1215 lotes aprovados nesta data) e São Cosme, em 1955 (625 lotes).

As grandes obras de infraestrutura urbana da década de 40 em Belo Horizonte, como a Avenida Antônio Carlos e o complexo turístico e de lazer da Pampulha – seguidas, nos períodos posteriores, pela implantação do Aeroporto da Pampulha e do Campus da UFMG – acabaram por indicar a tendência de expansão da capital em direção à área norte, apontando os primeiros, porém sutis, incentivos à ocupação das áreas de fronteiras com os municípios vizinhos a partir da produção de loteamentos populares.

Antonio Teixeira da Costa levanta a hipótese de que a inicial ocupação da região de São Benedito pode ter sido impulsionada também pela atração de população a partir do início do processo de industrialização do município.

De fato, o município de Santa Luzia foi um dos primeiros a responder à política de implantação de distritos industriais deflagrada nos anos 50 (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2007). Segundo Singer (1968), a implantação desta que seria uma segunda cidade industrial da região de Belo Horizonte na década de 1950 veio em resposta aos problemas presentes na Cidade Industrial de Contagem em relação ao escoamento de detritos industriais devido ao pequeno volume de água do córrego Arrudas que segue, depois, para Belo Horizonte. Teria sido assim prevista para a Cidade Industrial de Santa Luzia a localização de estabelecimentos que produziriam um maior volume de carga
poluidora.

O primeiro núcleo industrial do município (Distrito Industrial Simão da Cunha) foi instalado na Região de Borges, ficando essa área desocupada por anos. Neste contexto, ganha destaque a implantação em outra região do grande frigorífico da organização estatal Frimisa – Frigoríficos Minas Gerais S.A. –, uma indústria de grande porte que marcou o início da industrialização em Santa Luzia. Esta indústria foi instalada na região de Carreira Comprida, a noroeste da Sede do município, onde foi constituído, mais tarde, um núcleo habitacional para seus operários.

Mesmo com o pouco sucesso que apontou nos anos seguintes, os efeitos deste inicial impulso industrial podem também apontar para a expansão de outras regiões do município, como o início do parcelamento de terras em São Benedito, como evidencia Antônio Teixeira da Costa.

Em relação ao crescimento urbano do São Benedito, os dados dos projetos dos dois loteamentos aprovados nos anos cinquenta não revelam, evidentemente, quando foram consolidados os bairros e como se deu o ritmo de sua ocupação. De fato, a expansão econômica que marcou os anos 50 impulsionou uma considerável expansão urbana de Belo Horizonte, principalmente através da produção de loteamentos.

Novos loteamentos no São Benedito só foram aprovados na prefeitura de Santa Luzia vinte anos mais tarde, a partir da segunda metade da década de 1970, período em que o crescimento populacional metropolitano alcançou altos níveis. Após a aprovação do bairro Duquesa II, em 1983, novos loteamentos em São Benedito foram aprovados apenas a partir da segunda metade da década de 1990. No início da década de oitenta também foram aprovados os projetos de parcelamento dos conjuntos Cristina e Palmital.

Conjunto Habitacional Cristina

O terreno comprado pela Cohab-MG no distrito de São Benedito é localizado ao norte do bairro São Benedito, estendendo-se também a leste deste bairro, ao longo da faixa final da Avenida Brasília (em direção à Sede do município).

O Conjunto Habitacional Cristina foi projetado para ocupar parte desse terreno, deixando grandes faixas de terra remanescentes, parte das quais foi ocupada, posteriormente, com a implantação do Conjunto Palmital.

Segundo Antônio Teixeira da Costa, prefeito de Santa Luzia no período, parte da faixa de terra comprada pela Cohab abrigava um loteamento em início de venda e ocupação, que havia sido aprovado, como os demais projetos de parcelamento da região, sem qualquer provisão de infraestrutura pelo empreendedor. De acordo com ele, a prefeitura teria indicado essa área para compra da Cohab como forma de impedir o avanço da ocupação de mais um loteamento nos moldes mencionados, o que acarretaria custos à gestão pública em arcar com a estrutura urbana necessária para a área.

De acordo com o projeto urbanístico e arquitetônico do Conjunto Cristina (COHABMG, 1986), seu loteamento abrange uma área total de 184,54 ha, com a previsão de abrigar uma população de 20.460 pessoas.

Foram previstas unidades habitacionais em blocos de edifícios de três pavimentos e também residências unifamiliares, além de 64 lotes urbanizados destinados a uso habitacional que também teriam sido disponibilizados para financiamento. Esta informação a cerca da venda de lotes no conjunto foi coletada da Planta de Parcelamento do ano de 1981 (COHAB-MG, 1981), pois o projeto de 1986 (COHAB-MG, 1986), de onde são priorizadas as informações tidas aqui neste trabalho, não contém dados referentes aos lotes que foram vendidos vazios.

Foram construídas seis diferentes tipologias habitacionais, quais sejam: apartamentos de 2 e 3 quartos e unidades unifamiliares de 2, 3 e 4 quartos, e também unidades-embrião.




Foram disponibilizados também três lotes para uso comercial e implantadas vinte e quatro unidades de blocos comerciais e de serviço, previstas em projeto em seis diferentes tipologias.


A construção do conjunto Cristina não contou com subsídios da prefeitura local, e assim, todos os custos foram direcionados para o preço final da unidade, que variava segundo sua tipologia construtiva. As diferenças sociais entre os moradores do Conjunto Cristina e a população do Conjunto Palmital são um exemplo dos efeitos dessa dinâmica. Em geral, os moradores do Palmital refletem uma condição social inferior em relação aos moradores do Cristina, o que pode ser explicado, dentre outros fatores que serão trabalhados nos itens seguintes, pelo predomínio no Palmital de unidades habitacionais de menores dimensões, geminadas e com qualidade
construtivas inferiores, e portanto mais baratas, além dos menores investimentos feitos em infraestrutura urbana no conjunto.

Alguns relatos afirmam que, mesmo que o Conjunto Cristina tenha sido direcionado a atender a demanda habitacional metropolitana, o início de sua ocupação contou em bom número com a presença de habitantes do município de Santa Luzia.

De acordo com Antônio Teixeira da Costa  isso teria ocorrido mediante um acordo da prefeitura local com a Cohab-MG, a partir do qual as primeiras unidades habitacionais do conjunto seriam direcionadas a atender a demanda municipal, abrangendo, além da população que morasse em Santa Luzia, também aqueles que apenas trabalhavam no município, como era o caso de grande parte dos operários dos distritos industriais do município. Porém, não houve acesso a qualquer documento ou arquivo que revelasse dados empíricos evidenciando essa inicial “preferência” aos moradores ou trabalhadores de Santa Luzia.

Segundo estes mesmos relatos e de acordo com a pesquisa de Nazário (2010), a seleção dos mutuários do conjunto contou ainda com outra especificidade: além das unidades que foram sendo ocupadas de acordo com os cadastros da Cohab, parte das moradias foi direcionada a algumas categorias do funcionalismo público, com destaque para os funcionários da Prefeitura de Belo Horizonte, da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa-MG), Polícia Civil e Militar.

Tanto a solenidade de inauguração do conjunto, em julho de 1981, quanto a ocupação das primeiras unidades habitacionais, pouco antes da inauguração, ocorreu em período anterior à entrega definitiva da primeira fase de construção do conjunto, em setembro de 1982. O processo de construção e entrega das unidades foi dividida em quatro fases.

A primeira fase do Conjunto Cristina contou com a construção de 3.192 unidades habitacionais. Entre os anos de 1985 e 87 foram construídas mais 3 etapas, que somando-se à primeira, totalizaram 4.092 unidades no conjunto.

As unidades habitacionais do conjunto foram financiadas em até 25 anos. Em abril de 2010 foram contabilizados pela Cohab 535 contratos quitados no Conjunto Cristina (COHAB-MG, 2010). A partir desta data deu-se início ao processo de escritura dos imóveis quitados dos conjuntos. Nazário (2010) desenvolve um estudo que busca remontar à construção e ocupação dos conjuntos Cristina e Palmital a partir, sobretudo, de entrevistas com os moradores e pesquisa em artigos de jornais.

Nas entrevistas realizadas com os moradores do bairro Cristina ficam evidentes os fatores que determinaram a busca por uma moradia do conjunto. Destacam-se, entre estes, o anseio pela aquisição da casa própria – “com a finalidade de evitar ou se livrar do aluguel” – e a limitação imposta pela renda combinada ao fato de existirem poucas opções em moradia popular: “Porque que eu estou morando aqui? Porque eu não tive condição de morar em Belo Horizonte, senão eu não estaria aqui não, estaria lá. (Morador, 74 anos)”. (NAZÁRIO, 2010, p. 35). “E eu paguei aluguel há vinte anos. Vinte anos eu paguei aluguel. (Morador, 72 anos)”.
(NAZÁRIO, 2010, p. 36).

Além do processo da Cohab de inscrição seguido de seleção para a formação dos mutuários de um conjunto habitacional, a ocupação de algumas moradias do Conjunto Cristina se deu mediante práticas clientelistas intermediadas por atores políticos da região, conforme apontado por uma moradora:
Ele tinha uma pessoa forte lá dentro, você entendeu? Ele conseguiu com o diretor da Cohab na época. Mas assim, num foi de graça, é claro, né? Ele conseguiu pra nós entrar pra lá porque, às vezes, a renda da gente sempre não era aprovada. Entendeu? Então, conseguiu um jeito lá pra gente tá ficando nesse apartamento e  e pagando a mensalidade. (Moradora,48 anos).
(NAZÁRIO, 2010, p. 36)

Como apontado, ficou a cargo da Cohab a construção das unidades habitacionais, dos blocos comerciais e a obras de urbanização de todo conjunto (arruamento, praças, etc), ficando então sob responsabilidade do poder público, seja municipal ou estadual, a ocupação dos terrenos destinados a equipamentos comunitários de domínio público, como escolas, postos médicos, policiais.

Dessa forma, à medida que as unidades habitacionais eram ocupadas, a demanda por serviços públicos (educação, saúde, transporte, etc) aumentava consideravelmente. As primeiras escolas do conjunto foram improvisadas pela prefeitura municipal nos galpões de obras deixados pelas empreiteiras. Com o decorrer dos anos foram implantadas escolas estaduais na região.

Nos anos seguintes, em certas partes do conjunto foram evidentes a falta de manutenção da infraestrutura implantada e as deficiências no atendimento por serviços públicos. A reportagem a seguir descreve a situação em 1983:

São ruas e avenidas de pisos arrebentados e sem qualquer iniciativa de recuperação, faltam vagas para as crianças nas escolas, apesar da existência de uma grande unidade de ensino que, inexplicavelmente, está desativada e não existe policiamento em qualquer horário. Até mesmo os fios da Cemig são motivo de preocupação pois, mal instalados, dão curto circuito com o mais fraco dos ventos. [...] A única atuação da Prefeitura, ali dentro, é a coleta de lixo, mesmo assim precária: no pátio do grupo escolar Leonina Mourthé de Araújo, por exemplo, uma grande quantidade de lixo está acumulado (sic), facilitando a proliferação de ratos, baratas e insetos diversos.
(UM CONJUNTO, 1983, p.12 apud NAZÁRIO, 2010, p.37).

Dentre questões como a falta de policiamento, o acúmulo de lixo em lotes vagos e os problemas na oferta de transporte coletivo, a carência e a precariedade dos espaços escolares e da qualidade de ensino são destaques tanto nos relatos dos moradores quanto em demais reportagens do período. (LIMA, 1983 apud NAZÁRIO, 2010).

De fato, após a finalização das obras, o poder público teve pouca atuação nas áreas do conjunto, assim como o crescimento de toda região de São Benedito foi marcada por esta ausência. Ou seja, o Estado se fez presente na constituição daquela área urbana e altamente ausente em sua manutenção.

Segundo Cabral, a região dos conjuntos habitacionais (englobando o Palmital) teria sido isolada pelo poder público local pelo fato de representarem cerca de “40 mil pessoas sem qualquer vínculo com o município”. Esta fala se refere não somente ao fato de grande parcela dos moradores dos conjuntos (juntamente com a maior parte da população do São Benedito) não trabalharem no município de Santa Luzia, mas também pelo fato de que durante muitos desses anos estes permaneceram como eleitores do município de Belo Horizonte, cidade origem da maior parte dos habitantes dos conjuntos.

Outro aspecto no conjunto Cristina, ainda mais evidente no Palmital, foi a alta rotatividade de seus moradores, que repassavam suas casas para outras famílias, revelando desde dificuldades no pagamento das prestações até o sentimento de insatisfação frente à situação em que viviam ali. De forma a evidenciar a realidade dos primeiros anos no conjunto, segue um trecho de entrevista feita em abril de 1983 com uma moradora do conjunto:

[...] não vejo a hora de sair daqui. Várias famílias já foram embora. E, se Deus quiser, em breve será a minha vez. Aqui tem apenas um telefone público, que fica em um lugar, porém vive estragado e tarde da noite, numa emergência, não podemos contar com ele, já que o estabelecimento está fechado. Não temos um posto policial e nem posto médico. Como sofro de gastrite, quando tenho crise, sou obrigada a pegar um táxi na rodovia até Belo Horizonte, pagando importância nunca inferior a 4 mil cruzeiros. Então, isso não é viver, estou completamente desiludida e voltarei para Belo Horizonte.
(LIMA, 1983, p.14 apud NAZÁRIO, 2010, p. 55).

Conjunto Habitacional Maria Antonieta Mello Azevedo – Palmital



Durante a construção do conjunto Cristina deu-se início à construção do Conjunto Habitacional Maria Antonieta Mello Azevedo, o Palmital (ver FIG. 5). Assim, a Cohab estendeu seu campo de intervenção na região construindo outras 4289164 unidades habitacionais, ocupando as faixas de terra ao norte do Cristina. (COHAB, 1984).

De acordo com o projeto urbanístico e arquitetônico do Conjunto Palmital (COHAB, 1984), seu loteamento abrange uma área total de 288,82 ha, com a previsão de abrigar uma população de 21.850 pessoas.

Foram previstas unidades habitacionais em blocos de edifícios de três pavimentos e várias tipologias de residências unifamiliares, além de 228 lotes vazios destinados a uso habitacional que também foram disponibilizados para financiamento. Foram construídas seis diferentes tipologias habitacionais, quais sejam: apartamentos de 2 quartos e unidades unifamiliares geminadas de 1, 2 e 3 quartos, contando também com unidades-embrião geminadas, conforme ANEXOS A e B e TAB. 6:


Frente ao programa no qual a Cohab atuava no período, a análise das tipologias habitacionais que foram selecionadas para compor o conjunto Palmital (ver ANEXOS A) indica que este empreendimento foi direcionado a atender uma população com um perfil social inferior aos mutuários do conjunto Cristina. São diversos os fatores que evidenciam no projeto do conjunto alternativas construtivas que teriam como objetivo o barateamento do preço final da moradia, como por exemplo as dimensões reduzidas das moradias, a predominância de casas geminadas dividindo o mesmo lote, o grande número de unidades-embrião, etc.



O número de unidades habitacionais do Conjunto Palmital é relativamente superior ao Cristina (4289 no Palmital e 4092 no Cristina). Além disso, o Palmital contou com mais lotes vagos destinados ao uso habitacional (228 no Palmital e 64 no Cristina). De acordo com os projetos dos conjuntos, porém, a área total destinada ao uso habitacional do Conjunto Palmital é inferior ao mesmo uso do Conjunto Cristina (63,48 ha no Palmital para 84,69 no Cristina), o que pode ser explicado frente ao grande número de habitações geminadas em um mesmo lote no Palmital.

Os investimentos em infraestrutura urbana no Conjunto Palmital foram reduzidos mediante a previsão da não pavimentação das ruas do conjunto pela Cohab. De fato, em muitos dos conjuntos construídos pela Cohab no período, a agência optava por não pavimentar as ruas como alternativa de barateamento do preço final da moradia.

Não só a qualidade espacial e construtiva das habitações como também os padrões de infraestrutura urbana eram proporcionais ao perfil social da população a quem era destinado o conjunto, assim sendo, quanto menor a renda dos mutuários, inferior seria o padrão geral do empreendimento.

Além disso, as percentagens dos territórios dos dois conjuntos reservadas ao uso comunitário público (6,44% no Cristina e 1,44% no Palmital) endossam também as diferenças existentes entre os padrões urbanos dos dois bairros.

Já a previsão de espaços destinados ao uso comercial para o Palmital é evidenciada na implantação de 6 galpões de 309m² cada e 70 lotes comerciais, que revela clara diferença com o padrão comercial implantado no Cristina, que, além de 7 galpões de 156m², contou com 17 unidades de blocos comerciais, que somavam 171 lojas construídas pela Cohab.

A setorização popular atual do bairro Palmital o divide em Palmital A, que engloba os setores 6 e 7, e Palmital B.


Os Setores 6 e 7 configuram a região ao norte do bairro. O Setor 6 é formado por uma área parcelada no alto de um morro e o Setor 7 corresponde ao vale “escondido” por trás deste morro. Devido às características topográficas, que isolam essa região do restante do bairro, unidas ao estigma de pobreza e violência que se caracterizou naquela área, a parte baixa (Setor 7) é chamada popularmente de Caldeirão do Inferno e a parte alta (Setor 6) recebe a denominação de Tampa do Caldeirão.

As residências construídas pela Cohab nessa área foram cobertas com telhados em fibrocimento, diferentemente das telhas de cerâmica que cobrem as moradias do restante do conjunto, apontando um padrão menos valorizado das unidades.

Analisando a organização sócio-espacial dos conjuntos em relação ao território urbano do distrito de São Benedito, que tem como região central a Avenida Brasília no bairro São Benedito, poderíamos dizer que o Conjunto Palmital é localizado nos “fundos” do Cristina, já evidenciando também nessa visão as formas de segregação e exclusão que se apontam ali.

Dessa forma, de acordo com o local de moradia, vários níveis de atribuição social negativa são firmados na periferia, estando pois, em último “posto”, logo depois dos Setores 6 e 7 do Palmital, as áreas de favelas.

Contudo, fator que contribui determinantemente na discriminação e segregação social dos moradores do Conjunto Palmital é o movimento de inicial ocupação de suas unidades habitacionais. Os primeiros habitantes do Palmital vieram para o conjunto como resultado de uma política de remoção e realocação de moradores de favelas da região central da capital.

A remoção de favelas de Belo Horizonte e a ocupação do Conjunto Palmital 

Guimarães (1992) aponta que a política de “desfavelamento” empreendida pela Coordenação de Habitação de Interesse Social (Chisbel) da Prefeitura de Belo Horizonte teve uma intensa atuação durante a década de 1970 e início de 80.

Porém, as fortes chuvas que ocorreram, em especial, nos anos 79, 82 e 83, fizeram com que tais políticas fossem direcionadas a atender as famílias desabrigadas em virtude de enchentes e desabamentos, o que, junto com outros fatores, modificou muitas das diretrizes adotadas nestas políticas até então.

O processo de direcionamento de famílias que habitavam favelas à margem do Ribeirão Arrudas e de outros córregos de Belo Horizonte a conjuntos da Cohab é investigado por Nazário (2010) a partir do estudo de notícias veiculadas no jornal Estado de Minas no ano de 1983.

Os artigos de jornais pesquisados evidenciam que foi devido aos efeitos das fortes chuvas de janeiro de 1983 que se iniciou o processo de direcionamento dos flagelados aos conjuntos habitacionais da Cohab na periferia.

Segundo uma reportagem, esta teria sido a “maior precipitação já ocorrida na cidade desde 1949” (CHUVAS, 1983 apud NAZÁRIO), provocando enchente e desabamentos, sobretudo, nas áreas de favelas, fazendo com que milhares de pessoas fossem acolhidos em abrigos na cidade. As áreas mais afetadas foram as favelas da União, Perrela e São Vicente no bairro Santa Efigênia, às margens do Rio Arrudas.

Esta situação teria impulsionado (ou acelerado) o processo de direcionamento dessas famílias para outros locais. Dentre as áreas de favelas mais antigas de Belo Horizonte, que são aquelas consolidadas até a década de 1950, Guimarães (1992) aponta que no ano de 1982 foram removidas áreas das favelas do Perrela, no bairro Santa Efigênia, do Pombal, no bairro Serra, e a favela Edgar Werneck, no Horto Florestal.

Assim, percebemos que o processo de remoção das áreas próximas ao Rio Arrudas (Perrela e Edgar Werneck) havia se iniciado antes, porém, das chuvas de 1983.

Contudo, a situação de calamidade pública decretada com a enchente de 1983 promoveu iniciativas do governo estadual junto a instâncias federais com o objetivo propagado de promover a construção de habitações populares para essas famílias com recursos do Promorar.

Estes acordos tiveram como resultado a aprovação da ocupação imediata do Conjunto Habitacional Morro Alto, construído pela Cohab no município de Vespasiano (RMBH), na região de fronteira com a capital. Tais negociações também aprovaram a construção de 3750 moradias com recursos do Promorar em outras regiões periféricas.
(GOVERNO, 1983 apud NAZÁRIO, 2010).

Dando seqüência a este, supostamente, “promissor casamento” entre as políticas de “desfavelamento” da prefeitura e a ocupação de moradias da Cohab, moradores das favelas Santa Tereza, União, Belém, São Rafael e Caetano Furquim foram, no fim de 1983, direcionados a ocupar outro conjunto da Cohab: o Palmital, no município de Santa Luzia
(FAVELADOS, 1983 apud NAZÁRIO, 2010).

Segundo entrevista com o então vereador de Belo Horizonte Dalton Guimarães, a Cohab também estaria enfrentando dificuldades na comercialização das unidades do Palmital
(VEREADOR, 1983 apud NAZÁRIO, 2010).

A pouca aceitação desses conjuntos frente àqueles que seriam os possíveis mutuários ao habitarem, pode ser lida como uma reação desta população contra as condições oferecidas pela Cohab-MG, sobretudo em relação à localização das moradias.

Revela-se, assim, o paradoxo da ocorrência de um conjunto habitacional vago, que no entanto havia sido construído de acordo com uma presente e específica demanda habitacional.

Esta situação influenciou o direcionamento dos conjuntos Morro Alto e Palmital a atender outras políticas habitacionais, no caso, de remoção e realocação de famílias vindas de áreas de favelas.

De acordo com o Plambel (1987), as unidades habitacionais dos conjuntos Morro Alto e Palmital que foram repassadas a estas famílias a custo subsidiado com recursos do Fundo de Investimento Social – FINSOCIAL. Porém, não houve acesso a demais dados que revelem como foi de fato este processo de facilitação no financiamento das residências dos conjuntos a essa população. Segundo alguns relatos de moradores, foi firmado um convênio entre Cohab e Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) que previa subsídios pelos quais a população removida das favelas teriam cerca de 1 ano para começarem a pagar as prestações do financiamento da casa.

Segundo Argentino Oliveira, após este tempo, a prefeitura ficaria responsável por arcar, por um período de 5 anos, com 80% do financiamento das moradias direcionadas para as famílias
realocadas, de forma que ficaria por conta destas os demais 20% das mensalidades.

A retirada da população pobre, que habitava irregularmente áreas mais centrais da capital, e a sua realocação em regiões distantes, revela a dinâmica pela qual são excluídos da cidade aqueles incapazes de “pagar” por ela.

Este processo acompanha o movimento imposto pela dinâmica imobiliária que faz com que aqueles com renda inferior, não conseguindo ter acesso formal a terrenos em áreas mais centrais são direcionados às áreas periféricas onde encontram preços acessíveis à sua renda.

Já no caso dos moradores de favelas centrais, que têm na ocupação irregular a forma de habitarem próximos a regiões mais valorizadas, o seu deslocamento às áreas periféricas é imposto pela atuação direta do Estado. No caso estudado, as famílias que habitavam áreas de favelas foram direcionadas a moradias que, mesmo sendo fruto de políticas públicas, se localizam nos mesmos lugares para onde o mercado direciona o atendimento à população de renda inferior.

Os primeiros anos de ocupação do Conjunto Palmital

Os moradores do Palmital relatam que os primeiros anos no conjunto foram marcados por uma situação de completa carência de infraestrutura urbana e serviços básicos.

Muitas foram as dificuldades enfrentadas pelas famílias: “Quando chegamos aqui não havia nada! Escola, igreja, comércio... A gente olhava para as casas e só via as pessoas no escuro, e uma fogueira na frente da casa...

Esta fala de uma moradora do Palmital relata a ausência de equipamentos públicos e coletivos no bairro, e também a carência de serviços básicos, já que, segundo ela, muitos dos moradores vindos das favelas tiveram um período sem energia elétrica em suas casas.

De acordo com o processo de seleção da Cohab, o financiamento de uma moradia do conjunto era aprovado mediante a comprovação do nível de renda do futuro mutuário.

Porém, no caso das famílias vítimas das enchentes e da população remanejada em virtude de intervenções públicas nas áreas de favelas, não houve restrição quanto ao nível de renda ou mesmo exigência quanto à comprovação da renda, até porque grande parte desta população se dedicava a atividades informais. Assim, grande parte da população do Palmital mantinha níveis de renda relativamente inferiores aos níveis previstos para os moradores daquele conjunto.

A distância do bairro Palmital ao centro da cidade, os custos com transporte público, a falta de qualificação dos moradores, a ausência de oferta de trabalho na nova região, dentre outros fatores, contribuíram para que o nível de desemprego se mantivesse alto nos primeiros anos do conjunto.

Contudo, o quadro de miséria de tantas famílias acabou por ser agravado pela condição geral de carência de infraestrutura e equipamentos coletivos do bairro.

Segundo os entrevistados, além do fato de que os primeiros moradores tiveram um período inicial sem energia elétrica, o abastecimento de água apresentou recorrentes falhas durante anos, havendo relatos de que os moradores chegaram a ficar 1 mês sem água encanada.

O somatório destes fatores é o que teria levado muitos moradores a repassarem suas casas para outras pessoas ou as devolverem para a Cohab. No caso de algumas famílias que vieram a partir do cadastro da Cohab, o “sonho” da casa própria que os direcionou a darem início ao financiamento de sua moradia no conjunto Palmital foi frustrado frente à precariedade com que passaram a viver.

Para terem acesso a comércio, escola, igrejas, posto policial e médico, as famílias precisavam se dirigir até os outros bairros, sobretudo, São Benedito, onde já se consolidava um núcleo de comércio e serviços para a região.

No decorrer dos anos algumas melhorias foram sendo implantadas no bairro, fruto, sobretudo, da mobilização dos moradores a partir da Associação Comunitária do Bairro Palmital (Ascopa), fundada em 1984.

Ao longo do tempo, o fornecimento de energia elétrica foi regularizado, houve a construção de algumas escolas, comércio, igrejas, posto policial, a pavimentação de muitas ruas, e também a implantação da linha de transporte coletivo no bairro.


Segundo os relatos, a primeira linha de transporte público que atendeu o bairro Palmital foi implantada cerca de dois anos após o início da ocupação do conjunto. Assim, durante este período, grande parte dos moradores do bairro, ou seja, aqueles que necessitavam se transportar para trabalho ou outras atividades na capital, tinham de caminhar até o ponto de ônibus que ficava no bairro Cristina. Este fato reflete algumas das diferenças no padrão de atendimento de serviços entre os dois conjuntos e também nos leva a investigar as condições sociais dos moradores do Palmital.

Palmital: um espaço estigmatizante

Como visto, os Conjuntos Habitacionais Cristina e Palmital tiveram diferentes padrões tipológicos e urbanísticos entre si que apontam para diferentes níveis de renda das famílias que cada um era direcionado a atender. Além disso, as distâncias sociais entre os habitantes dos dois conjuntos já previstas em projeto foram, pois, acentuadas pela faixa de renda muito inferior dos primeiros moradores do Palmital (vindos das favelas de Belo Horizonte) aliado à situação mais precária do bairro quanto ao abastecimento de serviços básicos, infraestrutura urbana e equipamentos coletivos (escolas, posto de saúde, policial).

No entanto, outro importante fator na distinção social existente entre as famílias dos dois conjuntos é a classificação negativa atribuída aos moradores do Palmital.

Exemplo disso é a fala de um morador do Palmital que relata que no período em que os habitantes de seu bairro necessitavam caminhar até o bairro Cristina para terem acesso ao transporte público, havia certos conflitos entre os moradores dos dois conjuntos no ponto de ônibus. Pelo relato, alguns moradores do conjunto Cristina demonstravam clara insatisfação de dividirem o veículo com os moradores do Palmital.

Porque o povo era discriminado, iam tomar o ônibus no Cristina [...] chamavam o pessoal do Palmital de favelados, de imundos, de ladrões, de vagabundos. [...] “Vê se vocês arrumam uma carroça pra vocês”: isso o pessoal ouviram demais. [...] Porque eles falavam, porque sabiam que, das 1.060 famílias das favelas que vieram pro Palmital. Aí eles generalizavam, já falava que toda a comunidade do Palmital eram favelados. E favelados na linguagem, na visão de muitos sempre é ladrão, é traficante, é todo tipo de coisa. Em favela não mora pessoa honesta, na visão deles. Não moram pessoas corretas, trabalhadoras, não! Só mora bandido. E eles entendiam assim. Por quê? Porque, porque o próprio povo de Santa Luzia criou essa imagem do Palmital, criou pra toda Belo Horizonte. Eles fizeram questão de criar essa situação pra toda a Belo Horizonte, que o Palmital só tinha bandido.
(Morador do Palmital, 59 anos).

Assim, a discriminação social sofrida pelos moradores do Palmital tem como fundamento não apenas a condição de maior pobreza em que eles se encontravam (e que ainda persiste em menores níveis), mas a origem da distinção estaria no fato de que muitas das famílias do bairro vieram de favelas de Belo Horizonte.

A fala de uma moradora do bairro Cristina revela a origem do estigma atribuído aos moradores do Palmital:

Se eu falei que aqui tá violento, lá no Palmital tá bem mais viu moça. Bem mais. Pra você ver que o pessoal vai lá, eles costumam tomar a moto das pessoas que vão lá. [...] Fornecedores, esse povo, é assaltado. Porque antigamente era assim, eles até falavam que eles matavam um de manhã e pendurava outro pra matar de tarde (riso). É. Bem mais. Porque quando nós fomos mudar pra aqui eles exigiram um monte de documento. Documentos, documentos pra saber quem é você, entendeu? Atestado de conduta é...
Certidão de onde você trabalha, regra, aquele troço tudo né. Lá, o Palmital nasceu assim: eles construíram o Palmital e eles precisavam de desapropriar aquela avenida do Santa Efigênia, perto do Hospital militar. E o que eles faziam? Eles pegaram aquele pessoal todo lá, jogaram dentro do caminhão, três, quatro mudanças... Às vezes no caminhão vinham três, quatro mudanças num caminhão. A sua casa é essa, a sua é essa e a sua é essa. Sem fazer uma triagem, sem fazer nada. Tudo quanto é vagabundo que tava ali morando naquelas favelas vieram pra cá. Num foi o caso nosso. Nós fizemos, foi triagem pra poder. [...] Eles acabaram com aquela favela do Santa Efigênia ali e trouxeram aquele pessoal tudo pra cá.
(Morador do Cristina, 74 anos).

Muitas foram as áreas dos conjuntos que, em projeto, estão representadas sem construções, ou seja, tidas como área verde, coletiva, remanescente, pública, de proteção de manancial, entre outros. Com o tempo, muitas dessas áreas foram ocupadas, algumas de acordo com o uso previsto (como é o caso das escolas) e outras por um processo de invasão de terra, como é o caso, em grande escala, da Vila das Antenas – ocupação de um terreno do Palmital por onde passa a rede de alta tensão da Cemig – e, em menor escala, das edificações que foram construídas nas áreas coletivas entre os prédios de apartamentos.

O caso das invasões de terra que configuraram favelização de grandes áreas dos bairros, como é o caso do Boa Esperança, da Vila das Antenas, ou também das moradias à margem do córrego do Palmital. Além dessas grandes áreas, pequenos terrenos ao longo dos conjuntos também foram sendo ocupados irregularmente, porém, esta forma de ocupação acompanhou o arruamento dos bairros, não formando vilas como os casos apontados acima. Este é o caso, por exemplo, das edificações que ocupam as áreas coletivas dos prédios de apartamentos (residências, comércio, galpões ou ampliação de apartamentos).

Com o tempo, as residências originais dos conjuntos passaram por sucessivas modificações. Foram diversos os tipos de ampliação das moradias, muitos dos quais pelo processo de autoconstrução. Houve alterações também em muitos dos apartamentos, expandindo e criando novos cômodos, varandas e coberturas.

Hoje, todas as ruas do Cristina encontram-se pavimentadas com asfalto. Já no Palmital, apenas as ruas principais são asfaltadas, e as demais tem um calçamento no modelo “pé-de-moleque” – exceto algumas áreas irregulares do bairro, cujas ruas não têm qualquer tipo de calçamento.

Além do fato de que o Palmital foi projetado para abrigar uma população relativamente em maior número que o Cristina e que seu crescimento populacional foi consideravelmente maior em virtude das áreas públicas ocupadas densamente (como a Vila das Antenas), a demanda por infraestrutura, serviços, comércios e equipamentos coletivos do bairro cresceu em proporções ainda maiores.

Isso foi devido, sobretudo, aos loteamentos e assentamentos precariamente instalados no entorno do bairro, como o Boa Esperança e o Nova Conquista, que se utilizam do Palmital como polarizador desses serviços.

Já sobre a ótica da gestão municipal de Santa Luzia, segundo entrevista com o político Antônio Teixeira da Costa, prefeito municipal durante os anos de 1977 a 1982, era de interesse da administração local no período a vinda de um conjunto habitacional da Cohab para o município.

Ele alegou que, além de atender a demanda habitacional local, este empreendimento traria infraestrutura e equipamentos públicos para a região de São Benedito, altamente carente deste tipo de serviço, ainda que tais melhorias fossem concentradas nas áreas dos conjuntos.

 Na época, relacionava-se a ideia da implantação de um grande conjunto habitacional da Cohab a desenvolvimento e urbanização para a área urbana. A construção do Conjunto Cristina, por exemplo, foi acompanhado de uma forte divulgação publicitária, considerado como o maior conjunto habitacional da América Latina. Estes fatores evidenciam um forte interesse político na vinda de um conjunto habitacional para o município da RMBH.

Além disso, possíveis acordos políticos existiam entre estado e município, pois era de interesse do estado que o município aceitasse um empreendimento habitacional que atendesse a demanda da metrópole. De fato, a instalação de um conjunto habitacional era subordinado ao setor de aprovação de projetos de parcelamentos do município, como qualquer loteamento privado.

Fonte: GUSTAVO RESGALA SILVA 
FORMAS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO PERIFÉRICO METROPOLITANO
UM ESTUDO SOBRE SÃO BENEDITO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO
HORIZONTE (2011)

4 comentários:

  1. Que bacana a história dos maiores conjuntos habitacionais da América Latina. Riqueza de detalhes. Parabéns!

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  2. Supermercado do mauro lembro do mauro sentado num sofá vei no meio da loja só observando o movimento e vendo seu bolso enchendo hehehe saldades meu pai trabalhou com o Mauro o famoso PINGUIN

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  3. Muito bom, o trabalho desse escritor ou jornalista, falou a verdade sem criar nada, parabéns.

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  4. Fiquei feliz em conhecer a história do meu bairro ,e pude compreender o porquê das diferenças de cultura entre os bairro e infraestrutura.

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